Passados mais de três anos da I
Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em 2010, tiveram
início em julho as etapas municipais e estaduais preparatórias para a
Conae 2014. A segunda edição do evento será realizada em Brasília, entre
17 e 21 de fevereiro do ano que vem, sob o tema "O PNE na articulação
do Sistema Nacional de Educação".
Diante de um novo contexto, em que os
debates sobre a educação brasileira ganharam projeção nacional, a II
Conferência deve enfrentar desafios ainda maiores para garantir ao
Brasil uma educação de qualidade. Para entender quais são os caminhos a
serem percorridos na próxima Conae, o Portal Aprendiz consultou seis
representantes da sociedade civil. Confira os depoimentos!
Estevão Cruz
foi diretor de políticas educacionais da União Nacional dos Estudantes
(UNE) e representante da entidade no Fórum Nacional de Educação (FNE) de
2011 a 2013.
"A Conae de 2010 foi um momento
fundamental em alguns sentidos: reorganização dos movimentos da
educação, articulando estudantes, trabalhadores, professores, negros,
pais, ou seja, diversos setores da sociedade. E ela organizou isso a
partir das plataformas desses movimentos, das agendas, mas em torno de
uma causa única.
Na gestão FHC, havia uma unidade muito
forte na luta contra o sucateamento e a privatização do ensino público.
No governo Lula, cada entidade passou a defender sua pauta, e com a
Conae nos reunificamos, especialmente em torno dos 10% do PIB para a
educação.
Um terceiro aspecto provém do próprio
caráter das conferências como forma de chamar a sociedade civil para
fazer a discussão de uma política pública. Colocar a sociedade civil na
formulação de uma política de Estado foi muito importante. Ainda que as
conferências não sejam deliberativas, o resultado da Conae não
necessariamente foi encaminhado e aprovado, mas configurou um momento
diferente na educação como um todo.
Em 2014, ela vem com um sentido
diferente, o Plano Nacional da Educação (PNE) ainda não foi aprovado e
isso coloca o desafio de dar um salto na formulação do movimento e
discutir o Sistema Nacional de Educação.
Ainda há muitas batalhas, como a
consolidação do financiamento da educação pública, com expansão de
vagas. É preocupante, neste sentido, a substituição feita pelo Senado no
PNE, que troca investimento em educação pública por investimento
público em educação, pois pode fortalecer o ensino privado com verba
pública."
Gilmar Soares, secretário de formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
"A I Conae foi central e importantíssima
para o avanço nas questões relacionadas à educação, que hoje temos
necessidade de regulamentar. Aquele debate iniciado em 2010, que
envolveu mais de quatro milhões de pessoas, gerou um conjunto de
reivindicações estabelecidas em seu documento principal, e agora
desencadeará em uma segunda conferência, que aponta para uma questão
central na educação do Brasil: a instituição de um Sistema Nacional de
Educação e a institucionalização do Plano Nacional de Educação.
A I Conae foi um passo inicial muito
importante para que a gente pudesse, hoje, estar em busca da
regulamentação do regime de colaboração, ao mesmo tempo em que criamos
as bases para a construção do Sistema Nacional de Educação e também para
que possamos pressionar o governo a votar o Plano Nacional de Educação.
A aprovação do PNE é um dos principais
desafios postos para a II Conae. A regulamentação do regime de
colaboração é outro. A gente pode ter um PNE, mas se a gente não definir
quais são as competências de cada ente, o Plano corre o risco de
fracassar. Sozinho, o PNE não consegue resolver os gargalos no
atendimento da demanda educacional no país. A definição do Sistema
Nacional de Educação seria o elemento mais importante dessa segunda
Conferência."
José Wilson Gonçalves, secretário de políticas sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
"A I Conae introduziu nas suas
resoluções alguns aspectos de reconhecimento da diversidade que existe
hoje no campo brasileiro. É preciso ter outro olhar para reconhecer esse
espaço dinâmico, formar e preparar as pessoas para que possam buscar
condições de vida vivendo no campo e reconhecendo-o não somente como
espaço de produção, mas como espaço de promoção de cidadania e qualidade
de vida. O Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo) é fruto
do debate da Conferência de 2010.
Para a II Conae, é preciso avançar no
sentido de legitimar, por dentro da conferência e das suas resoluções,
todo esse contexto de país que a gente vive hoje, uma vez que temos
vários instrumentos legais para usar como base. Isso vai ajudar, tanto
nas conferências municipais e estaduais quanto na etapa nacional, a
qualificar nosso debate.
O desenvolvimento não existe só na cidade. Ele é possível de acontecer no campo, e a educação precisa contribuir com isso."
Paulo Figueiredo Lima,
professor de Matemática da Universidade Federal de Pernambuco,
suplente-representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC) no Fórum Nacional de Educação (FNE).
"A CONAE 2010 foi importante pela grande
participação da sociedade, pleiteando uma educação de qualidade,
inclusiva e socialmente abrangente. Na I Conae foram tiradas propostas
bastante abrangentes, mas a questão dos 10% do PIB para a educação teve
uma repercussão muito grande e ainda está tendo.
Também destaco a formulação do Plano
Nacional de Educação e criação do Fórum Nacional da Educação, que reúne
vários setores da sociedade e do governo, constituindo-se como um espaço
de discussão, formulação e acompanhamento das políticas educacionais.
Além de acompanhar as mais de duas mil emendas ao projeto, o FNE também
ajuda a preparar a próxima Conae.
Esperamos que até lá o PNE já esteja
aprovado, para conseguirmos pensar no Sistema Nacional de Educação, que
seja algo como o SUS, um sistema articulado, integrado. Existem
atribuições específicas de cada região, mas vemos o sistema numa
perspectiva de articulação, de responsabilidade. Não pode ser nada muito
fechado, mas ver ele realizado seria um sonho, uma utopia."
Célia Maria Vilela Tavares, representante da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Fórum Nacional de Educação (FNE).
"A Conferência de 2010 tem saldo
positivo, especialmente em dois pontos: a instituição do Fórum Nacional
de Educação como órgão articulador e o encaminhamento do Plano Nacional
de Educação. Na construção desse plano, nós levamos para a sociedade a
importância da educação e a necessidade de se aumentar os recursos
investidos nela. Hoje todos falam da destinação dos 10% do PIB, dos
royalties do petróleo, o que antes era impensável.
Em contrapartida, podemos dizer que a
não aprovação do PNE demonstra que a medida que a sociedade avança num
processo de construção, em busca da garantia de uma melhor educação, o
Congresso Nacional não acompanha no mesmo passo. É lastimável que o
Congresso não tenha aprovado, três anos depois, o PNE. A gente tinha a
perspectiva de já ter um plano, já que a II Conae acontece em fevereiro
de 2014, mas ele está atrasado.
De qualquer forma eu penso que fazer a
conferência sem o plano instituído não é uma perda, vamos continuar
conferindo a educação, ou seja, vamos seguir vendo que a nossa
mobilização continua muito importante.
Eu vi uma pesquisa de opinião em que se
fez um apanhado dos cartazes das grandes mobilizações e a corrupção
aparece em primeiro lugar, mas em segundo lugar está a educação. Trazer a
educação para a pauta das grandes mobilizações é um marco importante.
Por isso eu acredito nas conferências e em sua mobilização."
Arlindo Cavalcanti de Queiroz, coordenador da comissão especial de dinâmica e sistematização do Fórum Nacional de Educação (FNE).
"O legado da I Conae é extremamente
positivo. Durante as conferências municipais e estaduais, livres e
ordinárias, houve um número de aproximadamente quatro milhões de
participantes – direta ou indiretamente – dos debates, que culminaram
com a etapa nacional, em Brasília, com quatro mil participantes.
Durante o processo, muitas propostas
apresentadas e discutidas já começaram a ser implantadas, como o ensino
obrigatório dos quatro aos 17 anos, que em 2016 passa a ser
universalizado; e a proposta de se ter um Plano Nacional de Educação
decenal, uma das maiores conquistas que tivemos.
Todos os segmentos educacionais
participaram de forma organizada: os gestores da educação dos setores
público e privado, os conselhos de educação das várias esferas de
governo, as organizações dos trabalhadores de educação, as organizações
estudantis, os pais de alunos.
Para as pessoas independentes, que não
estão organizadas, criamos a Rede Social da Conae, abrindo espaço para
quem quiser criar a sua própria Conferência Livre, em ambiente digital,
ou divulgar os resultados de conferências e debates que são produzidos.
Hoje a educação está sendo discutida de
forma muito intensa. O cenário é bastante desafiador, pois apresenta
perspectivas interessantes, como a possibilidade que nós temos de
aprovar os 10% do PIB para a educação. Estamos em um cenário de muito
debate, com muitas possibilidades."
(PORTAL APRENDIZ)
FONTE: CNTE
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