ESTADO DO CEARÁ
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
GABINETE DESEMBARGADOR PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO
Processo:
0621889-31.2014.8.06.0000 - Procedimento Ordinário
Autor:
Município de Beberibe
Réu:
Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Beberibe -
SINDSERV
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
O Município de Beberibe propõe
Ação Ordinária, com pedido de Antecipação de Tutela, com o objetivo de ver
declarada a ilegalidade e abusividade do movimento grevista promovido pelo
SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE BEBERIBE – SINDSERV.
O requerente relata que: a) em
reunião realizada em 17 de março de 2014, os servidores públicos municipais de
Beberibe resolveram paralisar os serviços prestados pelos professores
graduados, pós-graduados e mestres, integrantes da rede municipal de ensino, a
partir de 27 de março de 2014; b) a entidade sindical requer a concessão de aumento
linear para os profissionais citados na ordem de 8,32% (oito vírgula trinta e
dois por cento), enquanto a municipalidade teria conferido aumento de 6% (seis
por cento); c) pugnam ainda pelo reajuste das outras categorias de nível médio
e superior de pelo menos 5,7% (cinco vírgula sete por cento).
Defende,
em síntese, o reconhecimento da abusividade da greve, por afronta à Lei
7.783/89, diante da absoluta essencialidade do serviço prestado pelos
professores da rede municipal, bem como em decorrência da falta de apresentação
de plano de atendimento das necessidades essenciais.
Pugna, assim, pela concessão de
tutela antecipatória, inaudita altera pars, para
declarar a ilegalidade da greve, sustando o movimento deflagrado, determinando o imediato retorno ao
trabalho e que os grevistas abstenham-se
de impedir a entrada, nas escolas públicas municipais, de alunos, funcionários e dos professores que
eventualmente não tenham aderido
à paralisação ou pretendam cumprir ulterior ordem judicial.
Eis o breve relatório.
Passo a decidir.
Os fundamentos do pedido são
relevantes e urgentes, tendo em vista, especialmente, que se trata de greve
deflagrada por profissionais da educação, colocando em risco a prestação de
serviços públicos à milhares de alunos da rede municipal de Beberibe/CE.
De fato, analisando os documentos
colacionados à exordial, extrai-se, às fls. 20, que o Município de Beberibe, no
dia 18 de março do corrente ano, foi notificado pelo Sindicato dos Servidores
Públicos Municipais de Beberibe, de que, em Assembleia realizada em 17 de março
de 2014, os Servidores deliberaram pela decretação de greve a partir do dia 27
de março de 2014. No comunicado, o Sindicato solicita uma reunião em caráter de
urgência para que seja iniciada negociação acerca dos pontos da pauta de
reivindicações da Campanha Salarial de 2014, os quais compreendem,
principalmente, o reajuste linear para os profissionais da educação graduados,
especialistas e mestres de 8,32%, em objeção aos 6% concedidos pela
municipalidade, e o reajuste das outras categorias de nível médio e superior de
pelo menos 5,7%, além da implementação do
PCCR da Saúde.
Antes de se adentrar na análise do pedido
liminar, torna-se imperioso tecer algumas considerações acerca da competência
deste e. Tribunal de Justiça para, originariamente, conhecer e processar o
presente pedido.
Ao julgar o Mandado de Injunção nº
670, proveniente do Espírito Santo, em 25.10.2007, o Supremo Tribunal Federal,
sob a relatoria do Min. Gilmar Ferreira Mendes, ao se reportar à regra do art.
6º da Lei Federal nº 7.701/88, determinou sua aplicação analógica em casos de greves
de âmbito local ou municipal, in
verbis:
(...)
6. DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA
CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO DO TEMA NO ÂMBITO
DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A
EDIÇÃO
DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS
DO
ART. 37, VII, DA CF. FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60
(SESSENTA)
DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE
A
MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA
DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E
7.783/1989. 6.1. Aplicabilidade aos servidores
públicos civis da Lei
no 7.783/1989, sem prejuízo de que, diante do caso concreto e
mediante solicitação de entidade ou órgão
legítimo, seja facultado ao
juízo competente a fixação de regime de greve
mais severo, em
razão de tratarem de "serviços ou atividades
essenciais" (Lei no
7.783/1989, arts. 9o a 11). 6.2. Nessa extensão
do deferimento do
mandado de injunção, aplicação da Lei no
7.701/1988, no que tange
à competência para apreciar e julgar eventuais
conflitos judiciais
referentes à greve de servidores públicos que
sejam suscitados até o
momento de colmatação legislativa específica da
lacuna ora
declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da
CF. 6.3. Até a
devida disciplina legislativa, devem-se definir
as situações provisórias
de competência constitucional para a apreciação
desses dissídios no
contexto nacional, regional, estadual e
municipal. Assim, nas
condições acima especificadas, se a paralisação
for de âmbito
nacional, ou abranger mais de uma região da
justiça federal, ou
ainda, compreender mais de uma unidade da
federação, a
competência para o dissídio de greve será do
Superior Tribunal de
Justiça (por aplicação analógica do art. 2º, I,
"a", da Lei no
7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a
controvérsia estiver
adstrita a uma única região da justiça federal, a
competência será
dos Tribunais Regionais Federais (aplicação
analógica do art. 6º da
Lei no 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no
contexto estadual
ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita
a uma unidade da
federação, a competência será do respectivo
Tribunal de Justiça
(também por aplicação analógica do art. 6º da Lei
no 7.701/1988). As
greves de âmbito local ou municipal serão
dirimidas pelo Tribunal de
Justiça ou Tribunal Regional Federal com
jurisdição sobre o local da
paralisação, conforme se trate de greve de
servidores municipais, estaduais ou federais."
Indubitavelmente, a greve, como
um dos direitos sociais albergados e protegidos na Constituição Federal, é
assegurada aos trabalhadores, de uma forma geral, no Art. 9º e aos servidores
públicos civis no art. 37, inc. VII, nos termos e limites definidos em lei
específica. Ocorre que, prefalada legislação nunca fora promulgada pelo
Congresso Nacional e, diante desta inércia legislativa em regulamentar o exercício
do direito de greve dos servidores públicos, o Supremo Tribunal Federal,
novamente ao julgar o Mandado de Injunção nº 712, desta feita oriundo do Estado
do Pará, decidiu que, até que seja sanada esta omissão, deve ser observada, supletivamente,
o regime aplicável aos profissionais da iniciativa privada
(Lei nº 7.783/89). No
julgamento do referido Mandado de Injunção destaca-se:
10. A regulamentação do exercício do direito de
greve pelos servidores
públicos há de ser peculiar, mesmo porque
"serviços ou atividades
essenciais" e "necessidades inadiáveis
da coletividade" não se superpõem a
"serviços públicos"; e vice-versa. 11.
Daí porque não deve ser aplicado ao
exercício do direito de greve no âmbito da
Administração tão-somente o
disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte
impõe-se traçar os parâmetros
atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser
regulado, na hipótese dos
autos, é a coerência entre o exercício do direito
de greve pelo servidor
público e as condições necessárias à coesão e
interdependência social, que
a prestação continuada dos serviços públicos
assegura. 13. O argumento de
que a Corte estaria então a legislar --- o que se
afiguraria inconcebível, por
ferir a independência e harmonia entre os poderes
[art. 2o da Constituição
do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, • ˜
4o, III] --- é insubsistente.
14. O Poder Judiciário está vinculado pelo
dever-poder de, no mandado de
injunção, formular supletivamente a norma
regulamentadora de que carece
o ordenamento jurídico. 15. No mandado de
injunção o Poder Judiciário não
define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo
que faltava para,
no caso, tornar viável o exercício do direito de
greve dos servidores
públicos. 16. Mandado de injunção julgado
procedente, para remover o
obstáculo decorrente da omissão legislativa e,
supletivamente, tornar viável
o exercício do direito consagrado no artigo 37,
VII, da Constituição do Brasil.
O insigne Relator do Mandado de
Injunção acima mencionado, Ministro Eros Grau, asseverou ainda, no corpo do
voto, a necessidade de se relativizar ou, até mesmo, interditar o direito de
greve para determinadas categorias que se enquadram nos denominados
"serviços públicos essenciais" ou desenvolvam atividades estratégicas,
ante a possibilidade de surgirem situações de risco.
Na ocasião, suscita a doutrina do
"duplo efeito" prevista na Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino
(II Seção da II Parte, Questão
64, Artigo 7) para
defender que, a despeito da inexistência de dúvida quanto ao direito discutido,
"não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais servidores
públicos em benefício do bem comum".
Por fim, reiterou que a "conservação
do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas
do exercício do direito de greve" quando exerçam funções essenciais
relacionadas à "efetiva proteção de outros direitos igualmente
salvaguardados pela Constituição do Brasil".
O direito à educação, inobstante não se
encontre inserido no rol de atividades essenciais, regulado pelo art. 10 da Lei
7.783/89, constitui, incontestavelmente, serviço público de natureza essencial,
o qual não deve ser descontinuado. Admitir a interrupção na prestação desses
serviços, poderá acarretar prejuízos irreparáveis ao interesse do Estado e da
sociedade.
A Constituição Federal Brasileira,
já no artigo 1º, III, elevou como fundamento do Estado Brasileiro a dignidade
da pessoa humana. Ademais, gravou com especial proteção, no artigo 6º, o
direito fundamental e social à educação. O art. 205, da Constituição Federal,
ressalvou, ainda, ser a educação direito de todos e dever do Estado e da
família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Não se está negando o direito de
greve aos servidores públicos. No entanto, em determinados casos, deve-se
reconhecer que esse direito não possui caráter absoluto, devendo ser mitigado
em situações em que há colisão com outras garantias fundamentais de maior relevância
social. Não se concebe, assim, que o direito de greve seja capaz afrontar o
direito à educação e à dignidade da pessoa humana assegurados
constitucionalmente.
Assim, realizando uma ponderação dos
princípios previstos na
Constituição Federal,
exsurge o entendimento de que o direito de greve no serviço público deve ser
limitado aos serviços essenciais, notadamente em relação à educação, e,
consequentemente, à dignidade da pessoa humana da sociedade em geral, que tem o
direito de receber a prestação integralmente, sem interrupções.
Nesse sentido, colhem-se os seguintes
precedentes:
Ação declaratória de ilegalidade de greve -
Professores Municipais -
Essencialidade do serviço público institucional -
Aplicação ao caso da Lei nº
7.783/89, em face da omissão legislativa -
Orientação do STF - Não
preenchimento dos requisitos que autorizam a
legítima deflagração do
movimento paredista - Ilegalidade declarada -
Procedência do pedido. 1.O
não preenchimento dos requisitos
estabelecidos na chamada Lei da
Greve e a paralisação total das atividades
desenvolvidas pelos
professores municipais, em flagrante
desrespeito ao princípio da
continuidade do serviço público, autorizam o
reconhecimento da
ilegalidade do movimento; 2.A não inclusão
do ensino no rol das
atividades essenciais previstas na Lei nº
7.783/89 não conduz à
interpretação de que tal atividade não
possui natureza de serviço
essencial, uma vez que tal dispositivo não é
numerus clausus,
admitindo interpretação extensiva; 3.Pedido
procedente.
(TJ-SE - AD: 2012112548 SE , Relator: DESA. MARIA
APARECIDA
SANTOS GAMA DA SILVA, Data de Julgamento:
19/09/2012, TRIBUNAL
PLENO)
1) DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE
DE
GREVE. TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE
COLOMBO. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PARA
RECONHECER A
ILEGALIDADE DO MOVIMENTO GREVISTA E DETERMINAR A
SUA
IMEDIATA PARALISAÇÃO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA
PARA O CASO
DE DESCUMPRIMENTO. MEDIDA QUE VISA ASSEGURAR O
DIREITO À
EDUCAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. a) Com o
advento da
Constituição da República de 1988, a greve passou
a integrar os direitos
sociais constitucionalmente assegurados aos
servidores públicos civis,
como instrumento para a reivindicação de melhores
condições de trabalho,
sendo necessário, entretanto, que o seu exercício
observe os requisitos
estabelecidos na Lei nº 7.783/89. b) No caso, o
Estatuto da Associação dos
Professores Municipais de Colombo/APMC Sindicato
dos Trabalhadores
em Educação não prevê as formalidades de
convocação e o quorum para a
deliberação da deflagração e da cessação da
greve, descumprindo a
exigência do parágrafo 1º do artigo 4º da Lei nº
7.783/89. c) E ainda que se
aplique o Estatuto da Associação dos Professores
do Paraná/APP
Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública
no Paraná, conforme
determina o artigo 38 do Estatuto da Agravante,
verifica-se, a princípio, que
a greve foi deflagrada por entidade não
competente para tanto e em
desacordo com a previsão estatutária (artigos 16
a 22 do Estatuto da APP).
d) Por outro lado, ainda que a Lei nº
7.783/89 não tenha elencado, em
seu artigo 10, a educação como serviço ou
atividade essencial, não há
como se negar que o direito à educação deve
ser assegurado à
criança, ao adolescente e ao jovem com
absoluta prioridade, conforme
dispõe o artigo 227 da Constituição Federal
e os artigos 53 e seguintes
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
nº 8.069/90). e) É bem de
ver, ainda, que restou comprovado nos autos que o
movimento grevista
deflagrado pela Agravante ocasionou diversos
transtornos aos pais dos
alunos, já que muitos deles trabalham e não
tinham com quem deixar os
seus filhos, em ofensa, portanto, ao disposto no
§ 1º, do artigo 6º, da Lei nº
7.853/89. f) A fixação de multa diária (R$
10.000,00) pela decisão agravada,
visando compelir a Agravante a paralisar,
imediatamente, a greve dos
trabalhadores em educação do Município de
Colombo, é medida razoável e
necessária para evitar maiores prejuízos às
crianças e aos adolescentes da
municipalidade. 2) AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE
NEGA
PROVIMENTO.
(TJ-PR - AGR: 902142901 PR 902142-9/01 (Acórdão),
Relator: Leonel
Cunha, Data de Julgamento: 12/06/2012, 5ª Câmara
Cível em Composição
Integral)
Ademais, não bastasse essas considerações de
cunho eminentemente constitucional, em uma análise perfunctória, verifica-se
que não houve respeito, pelo Sindicato requerido, ao art. 11 da Lei nº 7.783/1989,
que estipula a obrigação de apresentação de plano de atendimento das necessidades
essenciais, exatamente para impedir a paralisação absoluta das atividades
educacionais.
Configurada, portanto, a verossimilhança
das alegações e o perigo da demora, ante a paralisação dos serviços públicos de
natureza essencial ligados à educação, defiro o pleito liminar para suspender a
greve deflagrada pelo SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE BEBERIBE –
SINDSERV, determinando o imediato retorno ao trabalho, bem como que os
grevistas se abstenham de impedir a entrada, nas escolas públicas municipais,
de alunos, funcionários e dos professores, sob pena, em caso de descumprimento
da presente medida, de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o
sindicato requerido.
Cite-se o SINDICATO DOS SERVIDORES
PÚBLICOS MUNICIPAIS DE BEBERIBE – SINDSERV para, querendo, apresentar resposta
no prazo legal.
Em seguida, dê-se
vista dos autos à douta Procuradoria Geral de Justiça.
Expedientes
necessários.
Fortaleza, 3 de abril
de 2014
DESEMBARGADOR PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO
Relator
Fonte: http://esaj.tjce.jus.br/esaj,
informe o processo 0621889-31.2014.8.06.0000 e o código 2E971C.
Este
documento foi assinado digitalmente por PAULO AIRTON ALBUQUERQUE
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