Senhor! Eu sou o único ser na terra a quem tu deste uma parcela da sua onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes.
Diante de
mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem; á minhas palavras obedecem; ao
meu mandato se entregam; ao mesmo gesto se unem e se separam, ou se despojam.
Ao meu aceno as portas das prisões se fecham ás costas do condenado ou se
abrem, um dia, para a liberdade. O meu veredicto pode transformar a pobreza em
abastança e a riqueza em miséria. De minha decisão depende o destino de muitas vidas.
Sábios ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros, as crianças,
os jovens, os loucos e os moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento
até a morte, a lei, que eu represento, e a justiça, que simbolizo.
Quão pesado e
terrível é o fardo que puseste em mês ombros! Ajude-me senhor! Faze com eu seja
digno desta excelsa missão! Que não me seduza a vaidade do cargo, não mim
invada o orgulho, não mim atraia a tentação do mal, não mim fascinem as
horárias, não me exalcem as glórias vãs. Urge as minhas mãos, tinge a minha
fronte, bafeja o meu espírito, a fim que eu seja um sacerdote do Direito, que
tu criaste para a sociedade humana. Faze da minha toga um manto incorruptível.
E da minha pena o estilete que fere, mas a seta que assinala a trajetória da
lei no caminho da justiça.
Ajuda-me,
senhor, a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo sereno e
humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com que os
erraram. Amigo da verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da lei, mas
antes cumpridor da mesma. Não permita jamais, que eu lave as mãos como Pilatos
diante de um inocente, nem atire, como Herodes, sobre os ombros do oprimido, a
túnica do opróbio. Que eu não tema César e nem, por temos dele, pergunte ao
proviléu se ele prefere Barrabás ou Jesus.
Que o meu
veredicto não seja anátema candente e sim a mensagem que regenera, a vos
conforta, a luz que clareia, a água que purifica, a semente que germina, a flor
que nasce no azedume do coração humano. Que a minha sentença possa levar
consolo ao atribulado e alento ao perseguido. Que esta possa enxugar as
lágrimas da viúva e o pranto dos órfãos. E quando diante da cátedra em que me
assento desfilarem os andrajosos, os miseráveis, os párias sem fé e sem esperança
nos homens, espezinhados, escorraçados, pisoteados e cujas bocas salivam sem
ter pão e cujos rostos são lavados nas lágrimas da dor, da humilhação e do
desprezo, ajuda-me, Senhor, a saciar a sua fome e sede de Justiça!
AJUDA-ME, SENHOR!
Quando as minhas horas se povoarem de sombras: quando as
urzes e os cardos do caminho me ferirem os pés, quando for grande a maldade dos
homens: quando as labaredas do ódio crepitarem e os punhos se erguerem: quando
o maquiavelismo e a solércia se insinuarem nos caminhos do Bem e inverterem as
regras da Razão: quando o tentador ofuscar a minha mente e perturbar os meus
sentidos, ajuda-me, Senhor!
Quando me atormentar a dúvida, ilumina o meu espírito:
quando eu vacilar, alenta minha alma; quando eu esmorecer, conforta-me; quando
eu tropeçar, ampara-me.
E quando um dia, finalmente, eu sucumbir e já então como
réu, comparecer à Tua Augusta Presença para o último Juízo, olha compassivo para
mim. Dita, Senhor, a Tua sentença.
Julga-me como um Deus
Eu julguei como um homem
(Texto de: José Alfredo Medeiros Vieira (Juiz de Direito em
Santa Catarina))
Fonte: A Evolução da Política Criminal e o Novo Tribunal do
Júri no Brasil.