“Enquanto ela estava lá dentro, eu chorava muito. Quando ela voltou, eu tive muita alegria. Minha prima me chamou e disse que tinha uma surpresa. Eu olhei no portão e só vi o rosto dela”, recorda a garota, enquanto almoçava sob o olhar atento da mãe. “Foi um alívio voltar a acompanhar o crescimento da minha filha. Lá dentro eu não sabia de nada. Era só angústia. Quando saí, senti uma alegria que não dá pra descrever. Essa oportunidade mudou algo dentro de mim”, diz a jovem.
O benefício que a presa recebeu estava assegurado pela Lei 13.257, de 2016, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, que alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal, conferindo essa possibilidade às grávidas e mulheres com filhos até 12 anos incompletos. Os juízes, contudo, não estavam aplicando a medida, cujo foco é promover uma maternidade digna às crianças.
“Esse entendimento diz respeito não à questão prisional da mulher, mas ao cuidado dos filhos e a uma gestação segura. Porém, os magistrados impunham restrições, preterindo a lei em favor de argumentos da segurança. Mas o que é melhor: prender e reprimir a mãe ou cuidar da criança? Entre o punir e o cuidado, foi sublevado o cuidado”, argumenta a defensora pública Gina Moura.
Essa realidade, porém, só mudou após o HC impetrado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), de São Paulo, que teve a adesão das defensorias públicas de todo o País, inclusive do Ceará. Foi quando o STF reconheceu a legitimidade do pedido e determinou o prazo de 60 dias para que a legislação fosse aplicada em toda a Federação.
Desde então, a Defensoria cearense atua junto às Varas Criminais e comarcas do Interior, além da Secretaria da justiça e Cidadania (Sejus), para que a decisão seja cumprida. As dificuldades, contudo, estão na desinformação sobre o perfil das presas, no acesso às certidões de nascimento das crianças, inseridas num contexto de total vulnerabilidade, e na estigmatização das presas.
“Ficar com a mãe em casa, sobretudo quando ela não cometeu um ato grave que justifique o encarceramento e sequer foi julgada, é direito das crianças. Vale destacar que revogação da prisão não representa liberdade. Prisão domiciliar é prisão dentro do perímetro do domicílio. Existem restrições. Elas são monitoradas, eletronicamente, por tornozeleira. Não é liberdade”, completa a defensora.
Segundo Gina, para além das 104 mulheres que já receberam a medida cautelar adversa do encarceramento, o Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência (Nuapp), estima que outras 450 detentas no Estado ainda podem ser beneficiadas.
Ela defende, contudo, a criação de uma rede de políticas públicas, capacitação e oportunidades que assegurem uma “maternidade responsável” às mães. “É necessário que sejam autorizadas saídas excepcionais, por exemplo, para resolver problemas de saúde das crianças, problemas na escola, além do emponderamento dessas mulheres, sobretudo no aspecto econômico. Dentro do domicílio, elas precisam exercer alguma atividade econômica”, ressaltou.
PRESÍDIO
O Instituto Penal Feminino tem capacidade para 374 presas, mas abriga, atualmente, cerca de 1.080 mulheres
PARA ENTENDER A DECISÃO DO STF
1. Aprovada em março de 2016, a Lei nº 13.257, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, passou a beneficiar as mulheres presas, provisória ou preventivamente, gestantes ou mães de crianças com idade inferior a 12 anos. Todas teriam direito à prisão domiciliar. A regra que também vale para homens que sejam “o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos”. Entretanto, a regra não estava sendo seguida.
2.
Um habeas corpus coletivo foi impetrado pelo Coletivo de Advogados em
Direitos Humanos (CADHu), de São Paulo no STF. Por quatro votos a um,
a 2ª Turma da Corte julgou a ação procedente e determinou que a legislação fosse cumprida em todo o País, no prazo de 60 dias.
3.
Prevaleceu o entendimento de que confinar mulheres grávidas em
estabelecimentos prisionais precários tira delas o acesso a programas
de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e
ainda priva as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento,
constituindo-se em tratamento desumano, cruel e degradante.
4.
Para o relator, ministro Ricardo Lewandowski, o habeas corpus trata-se
da única solução viável para garantir o acesso à Justiça de grupos
sociais mais vulneráveis e tem por objetivo salvaguardar um dos mais
preciosos bens do ser humano, que é a liberdade. Ele lembrou ainda que,
na sociedade contemporânea, muitos abusos assumem caráter coletivo.
SAIBA MAISNos próximos 15 dias, a Defensoria Pública realizará uma força-tarefa para analisar os processos de todas as presas que se enquadram no perfil exigido para receber o habeas corpus, assegurando os direitos das detentas e de seus filhos.
Entre as 450 mulheres que ainda podem ser beneficiadas pela medida, 23 estão no Auri Moura Costa, único presídio exclusivo para o sexo feminino do Estado.
São presas provisórias e grávidas. Todas elas têm, pelo menos, mais de uma criança menor de 12 anos. Na creche Irmã Marta, anexa à unidade, outras 15 mulheres estão recolhidas com filhos recém-nascidos.
A medida vale também para as adolescentes que cumprem medida socioeducativa e se enquadram nesse perfil, além das mães de filhos deficientes. Contudo, existem restrições. Não devem ser beneficiadas com a prisão domiciliar mulheres que cometeram crimes mediante “violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssima”, este último ponto não foi especificado.
BENEFÍCIO
ACUSADA DE TRÁFICO
A personagem dessa matéria foi presa em flagrante por tráfico no início deste ano. Flagrada com uma pequena quantidade de drogas, acusação que ela nega, foi encarcerada no presídio Auri Moura Costa e lá permaneceu até ser beneficiada pelo habeas corpus. Mãe solteira, com apenas o ensino fundamental completo, vive com os pais, irmão e filha. Sobrevivem com um salário mínimo. A jovem será submetida à audiência em agosto. O POVO não identifica a presa para preservar a identidade da criança.
Fonte: O Povo
Postado por Raimundo Lima
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