O fim de cargos de vice-presidente, vice-governador e vice-prefeito é uma das propostas do
relator da reforma política na Câmara Federal, deputado Vicente Cândido
(PT-SP). Para cientistas políticos, mudança não seria positiva e cria apenas
uma “cortina de fumaça” no debate sobre a reforma.
Cientistas políticos ouvidos pelo Diário do
Nordeste dividem-se acerca da possibilidade de aprovação da proposição
pelos atuais parlamentares, mas, em comum, rejeitam a extinção dos cargos e
justificam o papel dos vices no modelo republicano do País, embora admitam que
uma reforma política poderia rever atribuições dos postos.
A discussão do relatório preliminar da reforma
política no colegiado especial, que começaria na última terça-feira (11), foi
adiada para a próxima semana, dado o início das votações em plenário naquele
dia, mas o documento chegou à Câmara ainda no dia 4, com quatro projetos de lei
e uma proposta de emenda à Constituição (PEC).
Um dia antes, em entrevista ao portal G1, Vicente
Cândido já havia afirmado, ao defender o fim dos cargos de vice-presidente, vice-governador
e vice-prefeito, que o País "joga dinheiro fora" ao manter os postos.
"Temos quase seis mil vices no Brasil, que devem ter no mínimo mais dois
cargos (de assessor). Então, temos um exército de 15 mil pessoas que ganham
para não fazer nada", justificou.
Efeito contrário
Incluir tal proposta no rol de mudanças no sistema
político na tentativa de minimizar a atual crise de representatividade,
contudo, pode, na avaliação do cientista político Osmar de Sá Ponte, professor
da Universidade Federal do Ceará (UFC), ter efeito contrário. "Não ter
vice cria uma condição de instabilidade política, por que quem iria assumir (no
caso de impossibilidade do titular)? Iria assumir o presidente da Câmara? Aí
você teria quase um parlamentarismo pela metade, acanhado. No entanto, na atual
situação, em que o próprio Congresso Nacional e as lideranças políticas estão
absolutamente sem credibilidade, aproximar uma solução próxima de um
parlamentarismo de alguém com poder parlamentar, eu acho que não ajuda a
resolver a crise, acho que agrava", analisa.
A Constituição Federal vigente, de 1988, define
como atribuição do vice-presidente da República a substituição do presidente,
no caso de impedimento ou nos casos em que o cargo se torne vago. Ele deve,
também, auxiliar o titular, sempre que por ele convocado para "missões
especiais". As funções se replicam para vice-governadores e
vice-prefeitos. Apesar de reconhecer o papel de garantir estabilidade aos
governos, porém, Osmar de Sá Ponte diz que vê como possível a aprovação da
extinção dos cargos por deputados e senadores.
"Ali
pode passar qualquer coisa, justamente porque os partidos políticos, hoje,
estão tentando se salvar. Eles não estão defendendo o interesse político, estão
querendo criar uma reforma política que lhes salve", considera. "Aqui
no Brasil, existem donos de partidos, e quando existem donos, não é mais
partido, é uma propriedade de interesse de pessoas. Então, nessa crise,
qualquer mudança que se realiza no sentido de aumentar o poder da Câmara dos
Deputados vai ser arremedo para salvar malfeitos de partidos", acrescenta.
Opinião diferente sobre a possibilidade de
aceitação da proposta tem o cientista político David Fleischer, professor da
Universidade de Brasília (UnB). "Encaro isso como uma vingança do PT,
porque, no impeachment, o Michel Temer era o vice e assumiu. Mas esse tipo de
casuísmo acho que a Câmara dos Deputados não vai aprovar, porque você tem
muitos partidos e candidatos municipais e estaduais que estão muito
interessados no vice para fechar vaga em uma coligação", afirma.
Coadjuvante?
Não é a primeira vez que uma proposta com este
objetivo chega ao Congresso Nacional. A PEC 287/2004, de autoria do deputado
Roberto Jefferson (PTB), condenado no processo do Mensalão, e outros
parlamentares, tinha a mesma intenção - extinguir cargos de vices - com a
justificativa de eliminar a "possibilidade de arranjos" políticos. O
texto, que também colocava a figura como "insignificante", contudo,
não prosperou na Casa e foi arquivado no ano de 2008.
Questionado se, historicamente, construiu-se no
País uma imagem de que o vice, por ter função coadjuvante no governo, pode não
ser necessário, David Fleischer lembra que, no Brasil, apenas em uma ocasião o
vice foi dispensável. "Foi no regime militar, em 1969, quando o Costa e
Silva adoeceu e os militares não deixaram o vice assumir, que era o Pedro
Aleixo", cita. Antes disso, ele menciona que Café Filho assumiu após a
morte de Getúlio Vargas e João Goulart também foi alçado à Presidência da
República quando da renúncia de Jânio Quadros.
Já depois da ditadura, continua o cientista
político, dois vice-presidentes assumiram o cargo principal por deposição dos
titulares em processos de impeachment: Itamar Franco, vice de Fernando Collor
de Mello; e Michel Temer, vice de Dilma Rousseff. David Fleischer destaca,
porém, que o papel do vice é uma decisão de cada governo. "A nível de
governador, há casos em que o vice assume alguma secretaria de governo e também
assume funções administrativas ou de articulação política", diz.
Desvio de foco
Professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece),
o cientista político Horácio Frota, por sua vez, classifica a proposta de
extinção dos cargos de vice como "uma cortina de fumaça" diante de
questões que são mais relevantes no contexto de uma reforma política.
"Para mim, isso não é uma questão central. Você extinguindo ou não, vai
ter a figura que substitua o governante em determinados momentos e em
determinadas circunstâncias. E, quando ele assume, por força de lei, recebe os
recursos do cargo, então a gente está trocando seis por meia dúzia",
coloca.
Horácio Frota aponta que o cargo de vice sempre foi
associado a algo "problemático", uma vez que envolve arranjos
políticos e desconfiança pela possibilidade de querer disputar o cargo maior.
"Mas, por outro lado, não se pode extinguir", pondera ele, sob o
argumento de que é preciso fortalecer o Estado Democrático de Direito e os
processos democráticos que também envolvem o posto no sistema republicano.
Também contrário à proposta de extinção dos cargos,
Osmar de Sá Ponte, professor da UFC, afirma que, se o vice existe para garantir
estabilidade política, não pode-se pensar em afetar instituições com base em um
período conjuntural de crise. "Não podemos pensar a crise como algo
permanente. Precisamos pensar soluções para o País sair da crise, e não como
sendo algo que, se mudou a conjuntura, temos que mudar tudo. Que sistema é
esse? Que reforma é essa? Que pensamento estratégico sobre os interesses
coletivos é que está passando pela cabeça de um partido ou de um autor?",
questiona.
Estabilidade
Ele diz ainda que, se ao vice é atribuído papel de
"decorativo", termo usado por Michel Temer em carta aberta a Dilma
Rousseff no ano passado, ao reclamar de desprestígio no governo, é porque
pactos políticos assim o fizeram, mas não deveria sê-lo. "O papel
institucional do vice é de segunda pessoa da República. Isso é muita coisa, ele
é uma prova de estabilidade política. Se algum parlamentar está achando que
isso é decorativo, é de uma ignorância imensa". Ele lembra, por exemplo,
que José Alencar, vice-presidente nos governos Lula, acumulou a
vice-presidência com o cargo de ministro da Defesa de 2004 a 2006.
"Pode ter um vice extremamente ativo, como o
José Alencar, que às vezes até criticava o governo, a postura do governo em
relação aos empresários, então o cargo é muito também de quem assume",
defende. O cientista político, portanto, acredita que uma reforma poderia
discutir mudanças nas funções do vice, mas não a extinção do cargo. "As
soluções que estão apresentando aprofundam a crise. Nenhum desses partidos
apontam para um sentido mais estratégico de proteção da democracia".
Propostas
No relatório parcial de 27 páginas apresentado por Vicente
Cândido, ele propõe, dentre outras alterações às leis eleitorais:
Financiamento público das campanhas, combinado a doações de
pessoas físicas. Para isso, seria criado um Fundo de Financiamento da
Democracia (FFD), a ser distribuído e fiscalizado pela Justiça Eleitoral;
Instituição de lista fechada para as eleições proporcionais de
2018 e 2022. A partir de 2026, a proposta é que seja adotado o sistema de voto
distrital misto;
O fim dos cargos de vice que, segundo ele, visa
economizar recursos do Executivo, diminuir espaços de barganha política de
ocasião e valorizar a figura do poder legislativo na linha de sucessão;
O relatório também propõe o fim da reeleição no Executivo, com
mandatos sendo de cinco anos;
Proposta do relator prevê, ainda, a proibição de
parlamentares ocuparem cargos no Executivo, e mudanças nas regras para
suplência de mandatos de senador.
Fique por dentro
CCJ também discute proposta vinda do Senado
Além das proposições do relatório parcial do
deputado Vicente Cândido (PT-SP) para uma reforma política, a serem discutidas
no colegiado especial criado na Câmara dos Deputados, está na Casa uma proposta
de emenda à Constituição (PEC 282/16), aprovada no Senado no ano passado, que
também altera diversos pontos da legislação político-eleitoral vigente.
O texto está na Comissão de Constituição e Justiça
e de Cidadania (CCJ), onde aguarda votação de admissibilidade. Na última
semana, o parlamentar disse à Agência Câmara que a proposta aprovada pelos
senadores não se choca com o parecer apresentado por ele à comissão especial.
"Um pode complementar o outro sem nenhum problema", afirmou.
A CCJ tentou votar a proposta na última terça-feira
(11), mas a reunião foi interrompida pelos trabalhos no Plenário. Nova
tentativa será feita na próxima semana, quando também deve começar a ser
discutido o relatório de Vicente Cândido na comissão da reforma política. A PEC
tem parecer favorável do relator, deputado Betinho Gomes (PSDB-PE).
Argumento
"Temos um exército de 15 mil pessoas (soma de
cerca de seis mil vices com assessores) que ganham para não fazer nada"
Deputado Vicente Cândido (PT-SP)
Fonte.
Congresso Nacional e diário do Nordeste.
Texto. William Santos diretor assistente
Texto. William Santos diretor assistente
Direito de resposta neste mesmo espaço.
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