sexta-feira, 4 de abril de 2014

Justiça decreta ato de ilegalidade da Greve dos servidores públicos municipais de Beberibe (Professores)



ESTADO DO CEARÁ
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
GABINETE DESEMBARGADOR PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO

Processo: 0621889-31.2014.8.06.0000 - Procedimento Ordinário
Autor: Município de Beberibe
Réu: Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Beberibe -
SINDSERV

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

               O Município de Beberibe propõe Ação Ordinária, com pedido de Antecipação de Tutela, com o objetivo de ver declarada a ilegalidade e abusividade do movimento grevista promovido pelo SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE BEBERIBE – SINDSERV.

              O requerente relata que: a) em reunião realizada em 17 de março de 2014, os servidores públicos municipais de Beberibe resolveram paralisar os serviços prestados pelos professores graduados, pós-graduados e mestres, integrantes da rede municipal de ensino, a partir de 27 de março de 2014; b) a entidade sindical requer a concessão de aumento linear para os profissionais citados na ordem de 8,32% (oito vírgula trinta e dois por cento), enquanto a municipalidade teria conferido aumento de 6% (seis por cento); c) pugnam ainda pelo reajuste das outras categorias de nível médio e superior de pelo menos 5,7% (cinco vírgula sete por cento).

             Defende, em síntese, o reconhecimento da abusividade da greve, por afronta à Lei 7.783/89, diante da absoluta essencialidade do serviço prestado pelos professores da rede municipal, bem como em decorrência da falta de apresentação de plano de atendimento das necessidades essenciais.

           Pugna, assim, pela concessão de tutela antecipatória, inaudita altera pars, para declarar a ilegalidade da greve, sustando o movimento deflagrado, determinando o imediato retorno ao trabalho e que os grevistas abstenham-se de impedir a entrada, nas escolas públicas municipais, de alunos, funcionários e dos professores que eventualmente não tenham aderido à paralisação ou pretendam cumprir ulterior ordem judicial.

         Eis o breve relatório.

         Passo a decidir.

         Os fundamentos do pedido são relevantes e urgentes, tendo em vista, especialmente, que se trata de greve deflagrada por profissionais da educação, colocando em risco a prestação de serviços públicos à milhares de alunos da rede municipal de Beberibe/CE.
           De fato, analisando os documentos colacionados à exordial, extrai-se, às fls. 20, que o Município de Beberibe, no dia 18 de março do corrente ano, foi notificado pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Beberibe, de que, em Assembleia realizada em 17 de março de 2014, os Servidores deliberaram pela decretação de greve a partir do dia 27 de março de 2014. No comunicado, o Sindicato solicita uma reunião em caráter de urgência para que seja iniciada negociação acerca dos pontos da pauta de reivindicações da Campanha Salarial de 2014, os quais compreendem, principalmente, o reajuste linear para os profissionais da educação graduados, especialistas e mestres de 8,32%, em objeção aos 6% concedidos pela municipalidade, e o reajuste das outras categorias de nível médio e superior de pelo menos 5,7%, além da implementação do
PCCR da Saúde.
              Antes de se adentrar na análise do pedido liminar, torna-se imperioso tecer algumas considerações acerca da competência deste e. Tribunal de Justiça para, originariamente, conhecer e processar o presente pedido.

             Ao julgar o Mandado de Injunção nº 670, proveniente do Espírito Santo, em 25.10.2007, o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Min. Gilmar Ferreira Mendes, ao se reportar à regra do art. 6º da Lei Federal nº 7.701/88, determinou sua aplicação analógica em casos de greves de âmbito local ou municipal, in verbis:

(...)
6. DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA
CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO DO TEMA NO ÂMBITO
DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO
DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO
ART. 37, VII, DA CF. FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA)
DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A
MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA
DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E
7.783/1989. 6.1. Aplicabilidade aos servidores públicos civis da Lei
                                                   no 7.783/1989, sem prejuízo de que, diante do caso concreto e
mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao
juízo competente a fixação de regime de greve mais severo, em
razão de tratarem de "serviços ou atividades essenciais" (Lei no
7.783/1989, arts. 9o a 11). 6.2. Nessa extensão do deferimento do
mandado de injunção, aplicação da Lei no 7.701/1988, no que tange
à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais
referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o
momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora
declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 6.3. Até a
devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações provisórias
de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no
contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas
condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito
nacional, ou abranger mais de uma região da justiça federal, ou
ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a
competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de
Justiça (por aplicação analógica do art. 2º, I, "a", da Lei no
7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver
adstrita a uma única região da justiça federal, a competência será
dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6º da
Lei no 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual
ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da
federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça
(também por aplicação analógica do art. 6º da Lei no 7.701/1988). As
greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de
Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da
paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais."

              Indubitavelmente, a greve, como um dos direitos sociais albergados e protegidos na Constituição Federal, é assegurada aos trabalhadores, de uma forma geral, no Art. 9º e aos servidores públicos civis no art. 37, inc. VII, nos termos e limites definidos em lei específica. Ocorre que, prefalada legislação nunca fora promulgada pelo Congresso Nacional e, diante desta inércia legislativa em regulamentar o exercício do direito de greve dos servidores públicos, o Supremo Tribunal Federal, novamente ao julgar o Mandado de Injunção nº 712, desta feita oriundo do Estado do Pará, decidiu que, até que seja sanada esta omissão, deve ser observada, supletivamente, o regime aplicável aos profissionais da iniciativa privada
(Lei nº 7.783/89). No julgamento do referido Mandado de Injunção destaca-se:

10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores
públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades
essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a
"serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao
exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o
disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros
atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos
autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor
público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que
a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de
que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por
ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição
do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, • ˜ 4o, III] --- é insubsistente.
14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de
injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece
o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não
define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para,
no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores
públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o
obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável
o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.

             O insigne Relator do Mandado de Injunção acima mencionado, Ministro Eros Grau, asseverou ainda, no corpo do voto, a necessidade de se relativizar ou, até mesmo, interditar o direito de greve para determinadas categorias que se enquadram nos denominados "serviços públicos essenciais" ou desenvolvam atividades estratégicas, ante a possibilidade de surgirem situações de risco.

            Na ocasião, suscita a doutrina do "duplo efeito" prevista na Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino (II Seção da II Parte, Questão
64, Artigo 7) para defender que, a despeito da inexistência de dúvida quanto ao direito discutido, "não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais servidores públicos em benefício do bem comum".

            Por fim, reiterou que a "conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve" quando exerçam funções essenciais relacionadas à "efetiva proteção de outros direitos igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil".

            O direito à educação, inobstante não se encontre inserido no rol de atividades essenciais, regulado pelo art. 10 da Lei 7.783/89, constitui, incontestavelmente, serviço público de natureza essencial, o qual não deve ser descontinuado. Admitir a interrupção na prestação desses serviços, poderá acarretar prejuízos irreparáveis ao interesse do Estado e da sociedade.

           A Constituição Federal Brasileira, já no artigo 1º, III, elevou como fundamento do Estado Brasileiro a dignidade da pessoa humana. Ademais, gravou com especial proteção, no artigo 6º, o direito fundamental e social à educação. O art. 205, da Constituição Federal, ressalvou, ainda, ser a educação direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

          Não se está negando o direito de greve aos servidores públicos. No entanto, em determinados casos, deve-se reconhecer que esse direito não possui caráter absoluto, devendo ser mitigado em situações em que há colisão com outras garantias fundamentais de maior relevância social. Não se concebe, assim, que o direito de greve seja capaz afrontar o direito à educação e à dignidade da pessoa humana assegurados constitucionalmente.

          Assim, realizando uma ponderação dos princípios previstos na
Constituição Federal, exsurge o entendimento de que o direito de greve no serviço público deve ser limitado aos serviços essenciais, notadamente em relação à educação, e, consequentemente, à dignidade da pessoa humana da sociedade em geral, que tem o direito de receber a prestação integralmente, sem interrupções.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes:

Ação declaratória de ilegalidade de greve - Professores Municipais -
Essencialidade do serviço público institucional - Aplicação ao caso da Lei nº
7.783/89, em face da omissão legislativa - Orientação do STF - Não
preenchimento dos requisitos que autorizam a legítima deflagração do
movimento paredista - Ilegalidade declarada - Procedência do pedido. 1.O
não preenchimento dos requisitos estabelecidos na chamada Lei da
Greve e a paralisação total das atividades desenvolvidas pelos
professores municipais, em flagrante desrespeito ao princípio da
continuidade do serviço público, autorizam o reconhecimento da
ilegalidade do movimento; 2.A não inclusão do ensino no rol das
atividades essenciais previstas na Lei nº 7.783/89 não conduz à
interpretação de que tal atividade não possui natureza de serviço
essencial, uma vez que tal dispositivo não é numerus clausus,
admitindo interpretação extensiva; 3.Pedido procedente.
(TJ-SE - AD: 2012112548 SE , Relator: DESA. MARIA APARECIDA
SANTOS GAMA DA SILVA, Data de Julgamento: 19/09/2012, TRIBUNAL
PLENO)
1) DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE
GREVE. TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE
COLOMBO. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PARA RECONHECER A
ILEGALIDADE DO MOVIMENTO GREVISTA E DETERMINAR A SUA
IMEDIATA PARALISAÇÃO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA PARA O CASO
DE DESCUMPRIMENTO. MEDIDA QUE VISA ASSEGURAR O DIREITO À
EDUCAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. a) Com o advento da
Constituição da República de 1988, a greve passou a integrar os direitos
sociais constitucionalmente assegurados aos servidores públicos civis,
como instrumento para a reivindicação de melhores condições de trabalho,
sendo necessário, entretanto, que o seu exercício observe os requisitos
estabelecidos na Lei nº 7.783/89. b) No caso, o Estatuto da Associação dos
Professores Municipais de Colombo/APMC Sindicato dos Trabalhadores
em Educação não prevê as formalidades de convocação e o quorum para a
deliberação da deflagração e da cessação da greve, descumprindo a
exigência do parágrafo 1º do artigo 4º da Lei nº 7.783/89. c) E ainda que se
aplique o Estatuto da Associação dos Professores do Paraná/APP
Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Paraná, conforme
determina o artigo 38 do Estatuto da Agravante, verifica-se, a princípio, que
a greve foi deflagrada por entidade não competente para tanto e em
desacordo com a previsão estatutária (artigos 16 a 22 do Estatuto da APP).
d) Por outro lado, ainda que a Lei nº 7.783/89 não tenha elencado, em
seu artigo 10, a educação como serviço ou atividade essencial, não há
como se negar que o direito à educação deve ser assegurado à
criança, ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade, conforme
dispõe o artigo 227 da Constituição Federal e os artigos 53 e seguintes
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). e) É bem de
ver, ainda, que restou comprovado nos autos que o movimento grevista
deflagrado pela Agravante ocasionou diversos transtornos aos pais dos
alunos, já que muitos deles trabalham e não tinham com quem deixar os
seus filhos, em ofensa, portanto, ao disposto no § 1º, do artigo 6º, da Lei nº
7.853/89. f) A fixação de multa diária (R$ 10.000,00) pela decisão agravada,
visando compelir a Agravante a paralisar, imediatamente, a greve dos
trabalhadores em educação do Município de Colombo, é medida razoável e
necessária para evitar maiores prejuízos às crianças e aos adolescentes da
municipalidade. 2) AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
(TJ-PR - AGR: 902142901 PR 902142-9/01 (Acórdão), Relator: Leonel
Cunha, Data de Julgamento: 12/06/2012, 5ª Câmara Cível em Composição
Integral)
               Ademais, não bastasse essas considerações de cunho eminentemente constitucional, em uma análise perfunctória, verifica-se que não houve respeito, pelo Sindicato requerido, ao art. 11 da Lei nº 7.783/1989, que estipula a obrigação de apresentação de plano de atendimento das necessidades essenciais, exatamente para impedir a paralisação absoluta das atividades educacionais.

              Configurada, portanto, a verossimilhança das alegações e o perigo da demora, ante a paralisação dos serviços públicos de natureza essencial ligados à educação, defiro o pleito liminar para suspender a greve deflagrada pelo SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE BEBERIBE – SINDSERV, determinando o imediato retorno ao trabalho, bem como que os grevistas se abstenham de impedir a entrada, nas escolas públicas municipais, de alunos, funcionários e dos professores, sob pena, em caso de descumprimento da presente medida, de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o sindicato requerido.

            Cite-se o SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE BEBERIBE – SINDSERV para, querendo, apresentar resposta no prazo legal.

Em seguida, dê-se vista dos autos à douta Procuradoria Geral de Justiça.

Expedientes necessários.

Fortaleza, 3 de abril de 2014

DESEMBARGADOR PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO
Relator

Fonte: http://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0621889-31.2014.8.06.0000 e o código 2E971C.
Este documento foi assinado digitalmente por PAULO AIRTON ALBUQUERQUE







Nenhum comentário:

Postar um comentário