domingo, 29 de março de 2015

PRECE DE UM JUIZ


Senhor! Eu sou o único ser na terra a quem tu deste uma parcela da sua onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes.
Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem; á minhas palavras obedecem; ao meu mandato se entregam; ao mesmo gesto se unem e se separam, ou se despojam. Ao meu aceno as portas das prisões se fecham ás costas do condenado ou se abrem, um dia, para a liberdade. O meu veredicto pode transformar a pobreza em abastança e a riqueza em miséria. De minha decisão depende o destino de muitas vidas. Sábios ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento até a morte, a lei, que eu represento, e a justiça, que simbolizo.
Quão pesado e terrível é o fardo que puseste em mês ombros! Ajude-me senhor! Faze com eu seja digno desta excelsa missão! Que não me seduza a vaidade do cargo, não mim invada o orgulho, não mim atraia a tentação do mal, não mim fascinem as horárias, não me exalcem as glórias vãs. Urge as minhas mãos, tinge a minha fronte, bafeja o meu espírito, a fim que eu seja um sacerdote do Direito, que tu criaste para a sociedade humana. Faze da minha toga um manto incorruptível. E da minha pena o estilete que fere, mas a seta que assinala a trajetória da lei no caminho da justiça.
Ajuda-me, senhor, a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo sereno e humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com que os erraram. Amigo da verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da lei, mas antes cumpridor da mesma. Não permita jamais, que eu lave as mãos como Pilatos diante de um inocente, nem atire, como Herodes, sobre os ombros do oprimido, a túnica do opróbio. Que eu não tema César e nem, por temos dele, pergunte ao proviléu se ele prefere Barrabás ou Jesus. 
Que o meu veredicto não seja anátema candente e sim a mensagem que regenera, a vos conforta, a luz que clareia, a água que purifica, a semente que germina, a flor que nasce no azedume do coração humano. Que a minha sentença possa levar consolo ao atribulado e alento ao perseguido. Que esta possa enxugar as lágrimas da viúva e o pranto dos órfãos. E quando diante da cátedra em que me assento desfilarem os andrajosos, os miseráveis, os párias sem fé e sem esperança nos homens, espezinhados, escorraçados, pisoteados e cujas bocas salivam sem ter pão e cujos rostos são lavados nas lágrimas da dor, da humilhação e do desprezo, ajuda-me, Senhor, a saciar a sua fome e sede de Justiça!
AJUDA-ME, SENHOR!
Quando as minhas horas se povoarem de sombras: quando as urzes e os cardos do caminho me ferirem os pés, quando for grande a maldade dos homens: quando as labaredas do ódio crepitarem e os punhos se erguerem: quando o maquiavelismo e a solércia se insinuarem nos caminhos do Bem e inverterem as regras da Razão: quando o tentador ofuscar a minha mente e perturbar os meus sentidos, ajuda-me, Senhor!
Quando me atormentar a dúvida, ilumina o meu espírito: quando eu vacilar, alenta minha alma; quando eu esmorecer, conforta-me; quando eu tropeçar, ampara-me.
E quando um dia, finalmente, eu sucumbir e já então como réu, comparecer à Tua Augusta Presença para o último Juízo, olha compassivo para mim. Dita, Senhor, a Tua sentença.
Julga-me como um Deus
Eu julguei como um homem 


(Texto de: José Alfredo Medeiros Vieira (Juiz de Direito em Santa Catarina))
Fonte: A Evolução da Política Criminal e o Novo Tribunal do Júri no Brasil.

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